Nova lei do gás: competição X subsídio. Entenda os argumentos

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ATUALIZADO EM agosto 2020

Prestes a ser apreciada no Congresso Nacional, o projeto de lei 6.407/13, a nova lei do gás, tem provocado debates sobre alguns pontos dessa proposta. O Além da Superfície explica os três principais itens dessa discussão.

O texto proposto nesse PL promove a competição em toda cadeia de valor com a criação de um mercado de gás natural aberto, incentivando a entrada de novos agentes e novos investimentos. É fruto de um intenso debate, realizado com centenas de especialistas e representantes da larga maioria dos segmentos do setor, realizado desde meados de 2016. O novo desenho de mercado proposto pelo atual texto do PL é baseado nas melhores práticas internacionais para mercados de gás natural.

Os pontos que vem sendo apresentados como alternativas a algumas das propostas do PL defendem a criação de subsídios e interferências inadequadas em atividades tipicamente concorrenciais, tirando com isso competitividade do gás natural e indo na contramão da proposta atual. Entenda os três itens que estão em debate:

Usina termelétrica (UTE) inflexível– Tese da interiorização do Gás: subsídio, energia mais cara e desestímulo à concorrência

A proposta de construção de usinas termelétricas movidas a gás natural, de forma compulsória em uma lei, como forma de ancorar a construção de infraestrutura de transporte não faz sentido por várias razões.

Se a construção dessas térmicas for economicamente viável, um mercado aberto e competitivo, como proposto pelo PL, irá naturalmente viabilizar esses empreendimentos. O risco de se “obrigar” sua construção em lei é onerar indevidamente não só o consumidor de energia elétrica mas também o consumidor de gás canalizado, já que estes que poderiam optar por alternativas mais atrativas.

Além disso, essa proposta contraria outras legislações em vigor, que dão ao Ministério de Minas e Energia (MME) e à Empresa de Pesquisa Energética (EPE) a responsabilidade pelo planejamento do setor elétrico, seguindo premissas de segurança no abastecimento e modicidade tarifária.

A proposta de construir compulsoriamente UTEs a gás natural como âncoras para expandir a infraestrutura de transporte por gasodutos gera de fato um subsídio para o setor de transporte de gás natural. O argumento de quem defende essa ideia é o de que só com a obrigação de construção das UTEs é possível expandir a malha de gasodutos, indo contra a proposta do texto atual do PL de se ter regras de mercado com investimentos privados para as atividades realizadas no setor de gás natural.

Não faz sentido incluir no PL uma proposta que não leva em consideração pontos importantes que fazem parte do debate sobre a modernização do setor elétrico, como o aumento do número de consumidores livres de energia elétrica e a redução dos subsídios/encargos relacionados ao financiamento da expansão do setor, atualmente custeado pelo mercado cativo das distribuidoras de energia elétrica.

Não garantir independência entre atividades de transporte/distribuição e comercialização é um estímulo à formação de monopólios regionais

Inicialmente cabe esclarecer que o comercializador é o agente que contrata o serviço de transporte por gasodutos para levar o gás natural (commodity) para o mercado. Enquanto a comercialização pode ser realizada por diversos agentes simultaneamente, ou seja, é uma atividade onde se tem competição. O transporte e a distribuição são monopólios naturais, ou seja, um modelo concorrencial não é viável.

A proposta em discussão de modificar o texto do PL para permitir que um mesmo grupo econômico atue simultaneamente nas atividades de transporte/distribuição e de comercialização de gás natural vai contra a principal premissa de abertura, que é estimular a concorrência. É fundamental se buscar a independência entre as atividades de comercialização e de distribuição/movimentação.

A principal motivação para isso é evitar que o transportador/distribuidora possa dar tratamento privilegiado ao comercializador de seu grupo econômico em detrimento de comercializadores concorrentes que queiram utilizar a infraestrutura desse agente integrado.

Por isso, se a distribuição/transporte e a comercialização fizerem parte da mesma empresa/ grupo econômico será estimulada a formação de monopólios regionais, restringindo e na maioria das vezes impedindo a competição.

Um claro exemplo da importância dessa separação é a recente decisão do Cade (Conselho Administrativo de Defesa da Concorrência) que orientou a desverticalização da Petrobras. Ou seja, a estatal se comprometeu a desfazer-se de seus ativos de transporte e distribuição para atuar somente na comercialização de gás natural.

Portanto, a possibilidade de verticalização não vai só contra os princípios que nortearam a decisão do Cade, mas também contra a regulação atualmente definida pela ANP (Agência Nacional de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis), que proíbe que novos transportadores atuem em outros segmentos da cadeia.

Retirar competência da ANP para classificar gasodutos de transporte pode gerar aumento de tarifas e ineficiência

A proposta de retirar da ANP a competência para regulação dos gasodutos de transporte trará prejuízos à competitividade do setor e pode levar ao aumento de tarifas para o consumidor final.

Os gasodutos de transportes funcionam como grandes rodovias por onde o gás é levado do supridor (produtor/importador) até as distribuidoras. São redes de alta pressão movimentando grandes volumes de gás natural. Cabe às distribuidoras levar o gás natural até o consumidor final por meio de uma rede própria de distribuição, que tem características diferentes da rede de transporte, com menores pressões e volumes sendo movimentados.

A proposta de alteração permite que a distribuidora também possa construir e operar com características de gasodutos de transporte, criando com isso redes isoladas que inibem a integração do mercado e uma competição assimétrica entre essas infraestruturas.

Como funciona o transporte e a distribuição de gás natural

As distribuidoras têm como objetivo ampliar sua rede de gasodutos para atender ao consumidor final e não realizar o transporte do gás natural sob alta pressão e grandes volumes. O transporte – a “highway de gás natural” – é uma atividade que conecta diferentes fontes de suprimento ao mercado, fazendo com que o gás natural seja entregue para distribuidora ou consumidor livre.

Um grande número de usuários ligados aos gasodutos de transporte é altamente benéfico, pois permite maior liquidez na comercialização do gás natural (aumenta o número de agentes aptos a realizar uma transação comercial), maior rateio do custo da infraestrutura (potencialmente reduzindo a tarifa para os consumidores finais) e maior integração entre os mercados regionais.

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